Um acordo chamado internet

O Marco Civil da Internet é uma lei pouco conhecida pela população, mas suas implicações transformam decisivamente a maneira como o usuário acessa e se relaciona com a rede

A Internet não é uma coisa: é um acordo. Um acordo em que todos resolvem adotar o mesmo protocolo para trocar informações. É isso que afirma um famoso e já antigo texto, “Mundo de Pontas” (“World of Ends”), de dois grandes precursores das reflexões sobre a internet e a cultura digital, Doc Searls e David Weinberger. 

Sabendo que a Internet não é propriedade de alguém, mas sim um acordo do qual todos decidem, voluntária ou involuntariamente, participar, imagino que você, como provável usuário da Internet, pode estar mais interessado em saber como anda esse acordo e como ele pode mudar e, eventualmente, influenciar de maneira decisiva sua vida e a vida da sociedade em rede da qual fazemos parte. Estou certo? Não necessariamente.

Isso porque hoje vivemos em uma cidade que é regida por leis que a maioria da população não conhece. Um bom exemplo é a Lei Orgânica do Município, que define as “regras de comportamento” dos cidadãos e instituições que compoem a municipalidade, mas que muitas pessoas sequer sabem que existe. Então por que com a internet seria diferente?

Estamos falando do Marco Civil da Internet, que, segundo um de seus idealizadores, professor Ronaldo Lemos, se propõe a “definir claramente as regras e responsabilidades com relação a usuários, empresas e demais instituições acessando a rede”. A idéia é criar uma lei para regulamentar direitos e deveres das pessoas e organizações brasileiras que participam da Internet.

A idéia se transformou em projeto de lei, passou por uma série de debates realizados através de encontros presenciais e ancorados em uma plataforma inovadora que permitiu transformar o processo de consulta pública, geralmente analógico e limitado, em um grande debate sobre direitos e deveres na Internet. Depois de quase dois anos de discussões e estudos, foi apresentado o Projeto de Lei 2126/2011 ao Congresso Nacional. O texto já teve parecer e substitutivo apresentados em comissão especial constituída para debater o projeto, que tramita hoje como PL 5.403/2001 e aguarda na fila para entrar em votação no plenário da Câmara.

O PL, que teve sua votação adiada pela terceira vez no último dia 5 de dezembro, tem como principais barreiras o lobby da indústria autoral e das empresas de telecomunicações, além do desconhecimento das pessoas.

É do interesse das grandes corporações das telecomunicações e indústria cultural, que visam prioritariamente o lucro, o adiamento de regulamentações que podem limitar a capacidade de continuar explorando a diferença e a desigualdade de acesso como forma de aumentar seus ganhos.

Por outro lado, deveria ser interesse de toda a sociedade e, portanto, de seus representantes, que, justamente por isso, tais regulamentações sejam não somente aprovadas, mas divulgadas como forma de garantir que as pessoas gozem plenamente de seus direitos e exerçam responsavelmente suas responsabilidades.

A capacidade de melhorar a sociedade depende da consciência e compreensão de seu modo de funcionamento. Da mesma forma que a capacidade de acompanhar e cobrar governos e representantes eleitos é diretamente proporcional ao esclarecimento sobre seus papéis e suas realizações. Também a possibilidade de melhoria de um meio de comunicação tradicional depende, em tempos de internet, de sua capacidade de se tornar cada vez menos tradicional.

Desse modo, mais do que defender ou criticar uma posição ou projeto, é importante que se compreenda o funcionamento dos acordos aos quais estamos submetidos. No caso da Internet, precisamos saber que, além dos serviços e infraestrutura infinitamente mais avançados que os tradicionais, o modo de organização da grande rede, aberto e descentralizado, está imprimindo na sociedade contemporânea uma nova maneira de se organizar e se expressar. Quem sabe se com o surgimento de um Marco Civil forte e soberano para a Internet no Brasil, esse movimento não nos inspire a criar novos marcos democráticos para a organização da sociedade pós-digital?

 

Uirá Porã é conselheiro de Cultura Digital da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Cultura do Congresso Nacional. 

 

Saiba mais 

Comitê Gestor

O Ministério das Comunicações e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação constituíram o Comitê Gestor da Internet, em maio de 1995. A ideia era tornar efetiva a participação da sociedade nas decisões envolvendo a implantação, administração e uso da Internet no Brasil.

 

Composição

O Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) coordena e integra todas as iniciativas de serviços de Internet no país – como a coordenação da atribuição de endereços internet (IPs) e do registro de nomes de domínios usando <.br>. Composto por membros do governo, do setor empresarial, do terceiro setor e da comunidade acadêmica, o CGI.br representa um modelo de governança com base nos princípios de multilateralidade, transparência e democracia. 

 

Uirá Porã

ESPECIAL PARA O POVO